A MORTE DE ITINHO CABELUDO, A RUA DIREITA E OS NAMOROS...
|
Lá era na Rua Anhanguera que a juventude repetia o que eu via s. Era hora de um fortivo aperto de mãos no sagrado escuro das noites e caminhadas para “levar em casa a namorada”...
As principais sessões de cinema eram no Domingo e nas quintas. As terças era para a galera com faroeste . Nestas, poucas mulheres, porque o pau comia em alegres palavrões das turmas de Aroeira, Barra e Cajueiros. Nequinho contava o filme alto, peidava, soltava barbantinho cheiroso e jogava pedra na tela. Éramos verdadeiros índios. Torcer pelos bandidos era coisa comum a todos...
Alguns iam até para espantar a Águia do filme da “Paramount”. Tinha dia que a luz acendia umas l5 vezes. Nos domingos e quintas a coisa era mais educada e tinha muita gente que não podia entrar. Alguns já de mãos dadas com suas respectivas namoradas sempre com os pais ou mães atrás dando uma de vigilante. Era tempo da chegada de gente do interior como Alcione e Cilênio que se juntavam a nós.
Edgar Moraes, que mais tarde trabalhou na Autorizada de um multinacional, criaria com seu humor lindamente nativo a “Auto-rizada” num catucamento a autorizada de Ruy Borges que, com seu humor sempre aflorado, riu da idéiaidéia e até foi ia visitar o concorrente o nosso Edgar.
O velho Honorato ainda residia na Praia Campista e mais tarde seria um dos primeiros moradores do “Novo Cavaleiro” com sua espôsaesposa Madalena e sua filha Elsa. Honorato conhecia a história de Macaé e ao inicio deste milênio faleceu aos 90 anos. Um negro que me contava muita coisa bonita de Macaé nos anos 20...
Os beijos furtivos eram roubados nos camarotes do “Cine Taboada” ou nos momentos em que uma passagem de cena para outra escurecia a sala, mais tinha se que ter muito cuidado porque o Lanterninha “Mudo” vinha com sua lanterna para o clareamento inoportuno e cruel. As vezes era “Zé Macaco”, Genilson ou o próprio senhor Paulo Manhaes que, clandestinamente, chegava com suas lanternas terríveis e feias...
Acho que o Mudo, um negro belamente feio e alegre, recebia ordens dos pais da época. Uma espécie de propina extra para evitar alongamento de carícias e beijos.,Por falar nisso, e o seu Farid? Ex- dono do cinema e sua esposa a Onça?
Dizem que nunca pisou por estas bandas mulher tão feia e cabeluda. Quando a luz apagava gritavam: - Olha o roubo Farid. E, lá vinha Elso Mussi, junto com a “Onça”, “alumiando” as cadeiras em busca dos gritantes.
As máquinas velhas que Farid, o dono do cinema, nos obrigava a ouvir os ruídos em sucessivas mutação quando tinham que mudar as cenas dos faroestes, faziam com que sua mãe fosse lembrada em urros de “Farid Ladrão” e, Elcio Mussi seu gerente, tinha que acender a luz de propósito para descobrir donde vinha as berrações contra Farid e sua mulher: a conhecida e temidachamada de “Onça”.
De fato a meiga Shaffira era de fato uma sócia humana de uma onça com sua cabeleira pintada de um vermelho fúnebre e esvoaçado. Quem a conhecia, no entanto, podia sentir a alma linda que brotava de seu olhar meigo e sua voz de mulher libanesa.
O mudo negro ainda podia ser visto subindo as escadas em direção aos camarotes em busca de baderneiros...
Mais tarde a família de Paulo Manhães assumiu os dois cinemas.
Existe quem afirme que o nosso “Alvinho” Paixão, um dia que a luz acendeu, foi flagrado torcendo para o bandido num filme de “Rock Lane”. Ele sempre ia ao Santa Isabel escondinho para não dar a entender que gostava da faroeste. Esperava a luz apagar , comprava o impresso e ficava num canto torcendo. Sendo um dos mais eficientes advogados da época de Ouro de Macaé achava que não ficava bem frequentar estas sessões onde o pau sempre cantava solto. Não queria, no entanto, o nosso bom “Alvinho”, fugir as suas origens e discutia com Dunga, Fernando Santos e Wilde alguns dos bons filmes do Velho Oeste Americano...
Nuvio ainda vigiava o namoro de Norma com Jamil a mando dos velhos pais que moravam na Imbetiba...
Memória é uma coisa estranha. Ela viaja num tempo que nem a gente que quer fazer dela uma cronica consegue comandar. As vezes ela vai num tempo longe e nos faz escrever coisas que só a gente entende. Outras vezes nos faz ficar num presente, pedindo ao autor que misture com textos que não tem nada haver com o que estáva sendo desenvolvido. Tentando por no ar fatos de memórias, veja por exemplo, o que falo a seguir, ao colocar nesta história a presença de Itinho.
II
ITINHO CABELUDO
Morreu “Itinho Cabeludo” um dos pilares do cotidiano. Quando falo em cotidiano me refiro a essência viva de nossa história, que é feita longe dos gerenciamentos de bancos, empresas e jantares festivos, falo da essência das ruas, das coisas que tocam a profundeza do vital que teimam em passar um borrão nestes últimos 30 anos de profundidades marítimas e mídias compradas.
Pois bem ,soube da morte deste lindo e feliz amigo que fazia de nossas ruas o prolongamento do seu paraíso interior .”Itinho Cabeludo” trazia para nós, independente do seu tormento interior, um belo universo de alegrias e falas amigas. Itinho deixava, creio eu, na soleira de sua humilde casa na Rrua da “Boa Vista”, toda a trama de tristeza com a perda trágica de seu filho “Fanta” e sua vida de homem pobre das nossas existências macaenses,
Vinha para a rua, com sua camisa do Botafogo e com seu sorriso ainda cheirando a pinga, fazia de cada um de nós o seu próprio palco, na representação que ele sabia ser ator, num mundo de mentiras e falsas atitudes vãs. “Itinho Cabeludo” deixou, ou havia deixado de beber nos últimos meses e, lutava para deixar o cigarro.
“Itinho” foi umum grande jogador de Futebol. A "mardita" da birita, que tantos valores levam para o brejo da vida o apanhou numa destas horas de melancolia que rodeiam muitos de nós. Milcélio está ai para relatar e, Arthur da sinuca, para confirmar. Nem mesmo quem ele abordava na rua, com sua doce e pura aporrinhação, nega este fato histórico. E, ontem mesmo quando recebi um telefonema de “Alan Birosca” de Porto Seguro, falamos de sua vida.
Quis homenageaa-lo no jornal que Armando esta soltando
Temos que entender determinados setores da vida que ainda acham que o belo tem a forma estereotipada nas novelas e nos penteamentos de cabelos com toques de noites em bares intelectuais.
Este belo intelectualizado e meio moderno foi o que levou o Armando a não entender o brilho irradiante deste negro puramente macaense que, com cheiro de pinga de noite anteriormente sofrida e bebida, tinha tanta sabedoria e esbanjava cultura popular. Entendo o velho Armando. Passou muito tempo nos refrigerados da TELERJ e perdeu o cheiro das ruas. Está se Tá recuperando devagar...
“Itinho” morreu, e com ele morre muita coisa desta cidade onde se reluta em fazer a verdadeira história em festas engravatadas e com cheiro de perfume importados, churrascarias e teatros polpudos.
A verdadeira vida macaense não está nestas solenidadessolenidades. A nossa essência vem das poeiras da ruas, do suor dos pescadores, do malho que estica ferro na bigorna da ferrovia e o petroleiro que enfrenta o mar...
A nossa essência está mesmo no cheiro de pinga vinde de nossos canaviais e não importado de outras cidades como querem fazer crer os donos do poder transitório atual. Muitas de nossas histórias estão cimentadas no apito dos trens, no buzo de Imbetiba e, no cheiro de bosta dos bois que desfilavam nas ruas principais indo para Aroeira. Tentar negar isso é tentar por para baixo do tapete nossas belezas e tirar a podridão catingosa de histórias inexistentes.
Por isso é que quando morre um Itinho, morre um pouco de nós mesmos.
Conversando nas andanças da Praia dos Cavaleiros com Parodi e José Alves de Souza, o nosso “Batistinha” do SENAI ,que jogou l0 anos no Americano e teve ao seu lado na nossa seleção, “Zé Que Não Dança”, “Bibinho”, Hélinho Cabral. George, “Geraldo Cara Suja”, “Garfante”, Elmo e outros. “Batistinha” me dizia dos dribles e jogadas de fundo que nasciam nas pernas meio tortas de “Itinho” e que fazia vibrar os velhos corações macaenses nas décadas do Futebol de Ouro.
Lembro que, quando de meu primeiro livro e o citei nas andanças pela “Rua da Boa Vista”, ele me catucou e balbuciou com sua voz de macaense nato: "você esqueceu, no seu livro, de falar e de dona Honorina. Sempre que podia, trazia notícias de minha filha Lais a quem sempre olhou com carinho e afetuosidade. Era uma história viva de nossa cultura popular...
.
... Lá detrás daquele morro, tem um Pé de Manacá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário