Boas vindas

Que todos possam, como estou fazendo, espalharem pingos e respingos de suas memórias.
Passando para as novas gerações o belo que a gente viveu.
(José Milbs, editor)

18.12.14

A CADEIA E O TERRENO DOS ESTUDANTES Armando Barreto Ao ver máquinas da prefeitura demolindo quiosques no terreno em frente ao mercado de peixes, voltei a 1962, quando o presidente da Federação dos Estudantes de Macaé, José Milbs Lacerda Gama, e eu como seu secretário, conseguimos uma audiência com o governador Celso Peçanha, depois de várias idas a Niterói, visando a doação de um terreno para construção de uma sede própria. Era um tempo de muita efervescência política, principalmente entre a politizada juventude sob a liderança nacional da UNE e UBES, engajadas num forte nacionalismo de esquerda em busca de reformas. Lembro-me, como se fosse hoje, nós de terno, indo a Niterói várias vezes, com dinheiro curto no bolso, que dava para as passagens e o popular PF. Sem conseguir audiência, víamos obrigados a ficar para o dia seguinte, com o colarinho suado e já sujo de poeira. Nosso “hotel” era de milhões de estrelas, no frescor da madrugada de uma cidade que ainda respirava o romantismo . Pegávamos a barca no final da noite e onde ela parasse aí ficávamos dormindo em banco da Praça XV, como dois engravatados ferrados que curtiram a noite na gandaia. Pois bem, numa das tentativas em busca de uma audiência, a malandragem de Milbs funcionou. Driblamos a vigilância dos seguranças, logo após o almoço, e conseguimos chegar à sala de despacho do governador e, numa confortável poltrona, esperamos para ver o bicho que ia dar. De repente, um susto, um policial abriu a porta e perguntou o que fazíamos ali. E Milbs: “nós somos da Federação dos Estudantes de Macaé e o governador pediu pra gente esperar”. O policial ficou encarando, na dúvida, mas resolveu ceder. Depois de uma hora de agonia, lá vinha Celso Peçanha, de pijama e limpando os olhos, após sua merecida sesta. Ao colocar os ósculos de lentes grossas e nos ver ali sentadinhos, de braços abertos perguntou: - “ estudantes de Macaé, o que estão fazendo aqui?”. Ele já nos conhecia de outros contatos políticos. Pronto, ganhamos seu carinho e simpatia. Sobre sua mesa muitas correspondências. Após saber o que queríamos e enquanto dava seus despachos, prometeu que iria colocar o Departamento de Engenharia à nossa disposição para ver se havia algum terreno na cidade para nos doar. Foi num período de muitas nomeações, quando vários macaenses foram admitidos como Fiscais de Renda. Não havia concurso, e chegou a nos oferecer uma vaga em Conceição de Macabu, que nem demos importância. Havia sim, uma nesga de terra onde, conta-nos o advogado e escritor macaense Antão de Vasconcellos em seu “Crimes Célebres em Macaé” (fevereiro 1911), uma cadeia, de grossas paredes, “hospedou” o próspero fazendeiro campista Motta Coqueiro (enforcado), os perigosos negros vindos da África Chico do Padre e Carukango. Esse terreno foi doado e o Departamento de Engenharia ainda nos deu a grande ajuda de elaborar uma planta do prédio, de dois pavimentos e ocupando praticamente a área toda. Mas a escritura de doação continha uma cláusula preocupante: prazo de três anos para construir, sob pena de o terreno voltar ao patrimônio do Estado. Como seria dificílimo, resolvemos projetar uma sede provisória. Gratuitamente, o saudoso Roberto Peixoto amigo da estudantada, fez uma planta e pediu aprovação junto à Prefeitura (prefeito Benjamin). Como não tínhamos recursos, começamos a fazer uma campanha pró-sede e levantamos o alicerce, eu já como presidente eleito numa campanha das mais movimentadas em Macaé, cuja apuração teve que ser feita pelo Juiz da Comarca, Aulomar Lobato da Costa. Com a também eleição de Milbs para a presidência da Confederação dos Estudantes Secundários (Cofes) e a força dos movimentos estudantis, conseguimos junto a Roberto Pontual inserir uma verba de 4 milhões de cruzeiros (cerca de R$ 4 mil hoje) no Ministério da Educação e Cultura. A verba saiu com a intervenção de um advogado em Brasília. A sede provisória foi levantada até a laje, com portas e janelas no lugar, mas a ditadura veio e colocou a entidades estudantis na ilegalidade. Quando já estava fora de Macaé, o Poder Judiciário chegou a usar salas do imóvel para guardar bens arrestados. Em 1974, os Procuradores do Estado Iltamir Abreu, Marlo Fabiano Seixas e Altamirando entraram com uma ação de reintegração de posse, alegando, entre outras coisas, que o imóvel era um pardieiro, onde se reuniam bêbados e prostitutas. Tomando conhecimento dessa iniciativa, Milbs procurou o Juiz da Comarca, dr. Carlos Sanches, que o orientou a fazer uma carta relatando a situação, alegando que a Federação havia construído uma sede no prazo de três anos e que só não foi possível concluí-la totalmente por causa do golpe militar. Argumentou ainda que achava estranho a Procuradoria chamar de pardieiro um prédio onde a Justiça guardava bens penhorados. O magistrado acatou e negou o pedido de reintegração, garantindo a posse do terreno à Federação, na possibilidade de seu retorno às atividades. Diante do prédio invadido por desocupados, a prefeitura resolveu demoli-lo em razão das reclamações de moradores. Já em 1999, o então prefeito Sylvio ocupou o terreno com a construção de quiosques, o que gerou uma grande polêmica, com sua liderança na Câmara tentando defendê-lo acusando-me, sem nenhuma base, de ter desviado quatro milhões da FEM. Esse vereador foi posteriormente cassado por outros motivos. Como a juventude estudantil se alienou nos 21 anos de ditadura e o consumismo tornou-se sedutor, com os sofisticados meios de comunicação absorvendo seus interesses, faz bem a prefeitura em usar aquele espaço para melhorar o já complicado trânsito da cidade. Essa é a história de uma entidade estudantil que não deixou de protestar contra o golpe, colocando na sacada de sua velha sede alugada uma faixa com a seguinte frase: - “Consciência legalista contra o golpismo dos gorilas”.