Boas vindas

Que todos possam, como estou fazendo, espalharem pingos e respingos de suas memórias.
Passando para as novas gerações o belo que a gente viveu.
(José Milbs, editor)

4.11.07

Nonô Marimbondo: ORGULHO DE SER SAPATEIRO...

Nonô Marimbondo:

ORGULHO DE SER SAPATEIRO...

Nota do autor sobre os Sapateiros da região do Petróleo: Eram eles que criavam a arte que a todos serviam. Desde o “saltinho, a famosa e econômica plaqueta do lado que a gente gastava mais até a meia sola e solado inteiro”. Todos participavam das transformações da sociedade e não conheço nenhum Sapateiro, em todos os países do mundo, que não tenham tido participação em algum movimento social e de transformação da sociedade. Honra a eles: Natalino Crespo, Djecyr Nunes da Gama, Valdo Rocha, Orlando, Zé Bonito, Hélio Barbosa, Pelé, José Pacheco, Mazinho do Morro de São Jorge, Fubeca, José Silva –Bonga -, Zamir e tantos outros que fizeram a história andar mais elegante...

Negro, canela fina, alegre, elegante, olhar que demonstrava inteligência e muito bom de bola. Além disso, era um exímio maestro do trato com a faca amolada em sua profissão de Sapateiro.

Em suas andanças pelas acontecências das ruas empoeiradas da região de petróleo, Nonô Marimbondo sabia driblar com os preconceitos numa época em que “havia um engraçado de mau gosto brincar com piadas de negros, de mulheres e de portugueses”. Sua presença nas esquinas da vida, nos anos de 1940 ate 1960 foi sempre a figura de um descendente de reinados africanos. Canela fina, osso duro nas “bolas divididas” nos campos de futebol e de peladas, era uma presa fácil para quem pensava que ia intimidar sua figura magra e elegantemente frágil. Uma cintura fina, uma bunda arrebitada e que daí o apelido de “Nono Marimbondo”. Olhando ele de lado, como que examinando seus gestos e passos compassados, a gente via de fato o seu pareci mento com um Marimbondo.

A vida pacata das cidades de interior deve estar cheia de figuras amenas que se destacam sem que saibam na reminiscência dos que buscam retratar os cotidianos. São personagens que nascem com o carimbo da simpatia e que, no decurso de suas existência cimentam afeto e carinho.

Devia ter eu uns 15 anos e o Nonô uns 26 ou 27 penso. Nas idas e vindas pelas ruas esburacadas pelas chuvas torrenciais dos meses de outubro e novembro. A região de petróleo, suas ruas e vielas eram todas de chão batido. Não havia asfalto nem paralelepípedo. Nem tampouco estes buracos que beiram as calçadas que dizem ser para “escoar águas”. As chuvas eram iguais as que estão vindo hoje. Havia um escoamento natural e jamais vimos à região ser alagada. Crianças das Ruas do Centro iam e vinham até as Ruas dos Cajueiros, da Praça da Luz e da Rua da Boa Vista. Andanças que eram vigiadas por alguns “mais velhos”. Assim foi que conheci o Nonô Marimbondo. No começo fiquei meio sem jeito de chamá-lo pelo nome que atendia os mais velhos que ele. Confesso que tive receio dele não gostar e, com isso, impedir uma amizade que duraria por muitos anos. A voz deste lindo negro, quando o chamei pelo nome conhecido, veio em som de harmoniosa sinfonia de afeto e carinho. Poucas vezes, a não ser em casa com minha avó e mãe pude ver esta sonoridade de amor em forma de fala. “Antes mesmo que eu me fizesse presente e me colocasse às condições de começar um diálogo, ele foi dizendo:” - Menino, você é filho do meu Mestre Gama, Ele me ensinou a arte de modelar couro e fazer meia sola. E continuava: Se hoje eu não preciso pedir emprego e ter que me submeter aos desígnios de um patronato cruel eu devo ao seu pai Djecyr Nunes da Gama.” Eu não tinha nenhuma idéia do que Nonô estava dizendo. Sabia que meu era Sapateiro, modelista de calçados, que estava na Argentina modelando para o Presidente Perón e Evita seus sapatos Luiz 15 de salto alto etc. Eu sábia de tudo isso por que a minha mãe dizia e eu recebia cartas dele de lá... Mas não entendia todo este orgulho que brotava nos olhos negros misturados com um castanho azul que ele não escondia. Fruto de uma criação voltada para ser doutor, advogado ou professor, como que eu ia entender, com 15 anos o “orgulho de ser sapateiro” que o brotamento de olhar de Nono Marimbondo deixava no ar e o fazia ficar belamente feliz...

O tempo, senhor de tudo que separa existências, fez com que poucas vezes pudesse rever o aprendiz de meu pai. Todas às vezes, no entanto, o encantamento da voz tinha entrada de trancas nem cadeados no interior de meu ser. Acho até, que vozes como a Nono Marimbondo, habitam o interior do ID em cada ser que tenha tido contacto com seres como ele.

O que seria dos seres humanos, todos sem distinção, se não tivessem dentro das profundezas de seu ser, vozes carinhosas e afetivas. Acho que elas que comandam os lindos sonhos coloridos e vôos noturnos... È a certeza da volta ao corpo vigiado por estes sonoros sons que habitam o interior do ID...

As poucas pessoas que conheciam a genética de Nono dão conta que era filho de um ferroviário dos anos 20/30 e que se tornou famoso em toda a região de ferrovia pelas suas caminhadas e corridas antes e depois que o “Buso” se fazia prsente aos ouvidos das cidades. Um atlético “Negão” deixou suas pegadas nas nossas esquinas e becos e nos presenteou o bom Nono...

Soube da morte de Nonô. Grande desportista. Grandes homens de nossas ruas, hoje asfaltadas, frias e com chuvas que inundam casas nos Cajueiros e bairros Pobres de minha Rica Macaé-Capital Brasileira de Petróleo... Que estranho paradoxo: A região mais Rica do Brasil. Políticos ricos e um POVO sem casas para morar e, as que habitam, estão inundadas e seus filhos sofrendo as doenças que nascem no após...

Pensei, recordando o velho Nono em seu Orgulho de ser Sapateiro: Não seria o fim dos Sapateiros, dos Alfaiates, dos Gráficos e dos verdadeiros Mestres da Arte uma obra do Capitalismo que objetiva massificar o POVO com drogas, religiosidade fanática e destruição da cultura popular?

O menino de 15 anos chegou aos 70...

Velhos malandros que “vaga voavam” com ginga em corpos flácidos e elegantes não habitam mais os Cajueiros, Aroeira, Praia Campista e Boa Vista. As ausências de Frevo, Cata-Quiabo, Teixeira, Flavinho, Gordo, Mistral, Sarta N’ água, Água Viva, Manél das 7 em porta, Miguel, Djalma e Turrinha têm outras moradas. Aqui ficamos para homenageá-los com vulto de nossas Ruas Empoeiradas... José Milbs de Lacerda Gama - www.jornalorebate.com

Um comentário:

Gilson Pontes disse...

Olá, José Milbs! Tenho sempre lido seus trabalhos, pois é de um teor riquíssimo de assuntos interessantes, provocantes - sempre leio, mas às vezes não chego a dar opinião, pois o tempo às vezes não deixa e tenho, logo que sair do pc pra dar aulas nos colégios e etc. Aviso: nesse último artigo que escrevo, enfim, uma grande artista - MEL. Gostaria se possível algum comentário sobre o trabalho dela, pois ela está fazendo uma grande divulgação sobre o REBATE. Obrigado , Gilson Pontes