Boas vindas

Que todos possam, como estou fazendo, espalharem pingos e respingos de suas memórias.
Passando para as novas gerações o belo que a gente viveu.
(José Milbs, editor)

21.8.07

BOCA DE BAGRE, JOÃO BOCA PRETA E VULTOS DAS MINHAS ANDANÇAS...

TEXTO DO LIVRO 'SAGA DE NHASINHA'

BOCA DE BAGRE - Nova Aurora danificada foto de Armando Rozário

... Na saída podemos ver gente nova que habita esta região histórica de Macaé. Vimos, num olhar de soslaio, "João boca Preta" já lutando com doença que lhe curva o corpo e lhe purifica a alma. João faz parte das histórias vivas desta cidade tão fraca em lembranças.

Sua presença nas noites, sinucas, carteados e nos prostíbulos oficiais e oficiosos era sempre marcante. João Boca Preta foi para o Rio de Janeiro e voltou já cansado.

Quando já tinha escrito estas linhas soube que no inicio deste milênio "João Boca Preta" tinha morrido. Estava mesmo cansado da vida e seu vulto curvado pelo peso de uma doença já não tinha o afetivo cumprimento que tanto o caracterizou em nossas ruas.

Não falava mais em Cláudio Moacyr que era seu líder e amigo e que me dizia sempre "ter sido recebido" num Centro Espírita em Nova Iguaçu. João achava que Cláudio tinha reencarnado e estava enviando mensagens.

Morreu acreditando e, se verdade for, deve estar com ele em algum lugar falando fatos de uma Macaé que ficou para trás.

As poucas vezes que João Boca Preta foi visto por mim na rua Direita, ele vinha magro, cabisbaixo, tentando forçar uma situação salutar que só a ele enganava. Foi juntar-se a Motinha, Alvinho, Wilde, Ronald de Souza ou, quem sabe, ouvir no silencio perguntativo de sua presença entre nós, os sorrisos de Tinoco ou o olhar puro e malicioso de Zé Clímaco. João deixa em Macaé a saudade que deixou Dunga, Cláudio Upiano, Zé Caxias e José Calilzinho do fluminense.

Fazia parte de uma melancólica e Pura Cidade que nunca virá a ser igual como nunca será igual as doces presenças de gente como ele.

Quem sabe ira rir das brincadeiras de Jonas Macacada, irá receber os puxões de orelhas de dona Fifi, o olhar severo de Elias ou, talvez pedir votos ainda, para seu velho amigo Cláudio Moacyr?...

E as saudades de Dona Elisa tia de Milcélio? E as centenas de filhos que esta Santa Senhora espalhou em nossa cidade no inicio e meados do Século? Dona Elisa estava para o lado de lá da cidade como Dona Durvalina estava para o lado de cá. Dividindo Macaé num limite geográfico do Centro para a Aroeira. Dona Elisa fazia suas curas. Sob suas divinas mãos nasciam os filhos e afilhados. Quem não bebeu da sua garrafada para engravidar? Perguntou minha mãe Ecila quando seu nome foi citado no Casarão da Boa Vista onde ela nasceu e mora os descendentes de Jayme Franco?

Do Centro da cidade para o lado de cá até os Cajueiros e Praia Campista era o reinado da mãe de Zequinha, a mãe Durvalina. As pessoas precisavam procurar no tempo e no espaço estas divindades humanas e suas belezas. Só assim poderão entender o significado de Macaé ter tanta espiritualidade rondando o nosso ar.

Minha mãe Ecila era, na Rua da Boa Vista o que eu era na Rua do Meio. Juntos vimos os descendentes de Dunga de igual história e Álvaro, de seculares porres noturnos, quando a cidade ainda era escura e seus habitantes dormiam com os passarinhos. A gente identificava as pessoas e se conheciam pelo balancear de corpos e falas altas. Ao Sair do Casarão Ecila perguntou de Cila e Noca.

Num carro velho, ainda tocado a manivela a gente olha e reconhece Lalá irmão de Boca de Bagre e Zé Puleiro que, ainda mantém a pureza macaense vindo da beleza pura de sua face desdentada mais que ainda conserva a beleza que emana dos corações silvestres.

Boca de Bagre freqüentava as matinês do Santa Isabel e Taboada sempre carregando gibis para trocas.

Quando ele queria "empurrar" um gibi em troca por algum que ele não tinha lido era comum dizer . olhando dentro dos olhos do possível cliente: tenho aqui um do Fantasma e dois de Rock Lane. E arrematava, num 171 divino: E olhe que eles trabslham bem (se referendo ao Fantasma e ao RockLane)... E, continuava: "O de Buck Jones é novinho e olhe que ele trabalha beme atira melhor anda... Assim Lalá ia trocando seus gibis. Às vezes, conosco, da Rua do Meio, às vezes, com Chico Gibi, filho de Heitor Paes. Levava "espiga"? Não sei. Sei que a ele trocava cinco velhos que a gente nao tinha lido, por um que a gente já tinha lido. Dai, acho eu, o empate neste comércio puro.

Ao olhar, por entre as gretas da recordação que todos temos dos bons tempos vividos, não pude deixar de ver a figura alegre de "Boca de Cumbaca" e suas gaiolas de canários da terra, sentir o detestável odor que vinha do levantar dos braços de Cata-Quaibo, Calombo e Pisa Mansinho quando jogávamos as peladas nos Cajueiros, no Areal da Rua da Poça ou no Campinho da Cocheira no final da Rua Dr. Bueno.

Sarta-N'agua, Mistral e Feito. Uma cidade onde, como disse numa de minhas crônicas e que António Ferreira da Silva, o Parodi, sempre se refere como uma realidade existente. Realcei, que havia "uma espécie de igualdade onde o afetivo determinava um socialismo que nem sabíamos existir e ter suas origens na ternura do afeto".

Era mesmo uma cidade de essências igualitárias e pura esta Macaé tão bem definida por Paulinho Mendes Campos como Cidade Pura nos anos de 1980.

Ainda no trecho da Rua da Boa Vista minha mãe viu e comentou a presença dócil de Jair Lacerda e Nila simbolismo de um amor eterno e feliz.

Foi assim, caminhando no tempo e no real que se recordava deste lugar que para ela tinha significado único.

Lembrou de João Punhal, sua história nos quartéis e de Sergipe uma figura meiga que habitou Macaé quando poucos se arriscavam em deixar o Norte do Brasil para vir para cá. Lembrou a mãe de Marialva Rodrigues, Lalá e Lilinha, perguntou por Madai, esposa de seu Barbosa outro nordestino que fez história em nossas infâncias. Não esquecia de Patureba, Tuiu e de dona Artemia que morava na esquina da rua Direita e que era mãe de Pilar, Tonito, Cezário, Anita e Hermínia.

As histórias de Filoca, pai de Amilar. As doces mentiras de João Barbeiro e Paulo Camarão ainda estão vivas nas recordações de quantos tiveram o sagrado privilégio de acreditar nelas e viajar em suas narrativas. Esta cidade ainda existe em cada um de seus descendentes. Basta que se catuque em suas paredes...

Sobre as memórias da Praça Verissimo de Mello, reviu o local onde o velho Pé de Tamarindo tinha sido arrancado violentamente pelo progresso e, sentiu arrepio ao ver a construção de mictório em frente ao velho coreto onde se davam os grandes comícios e retretas na Velha Macaé dos anos de 1930...

Vendo a "Nova Aurora" perguntou por "Tinho" e o maestro Aquiles .que morou em nossa casa na Rua do Meio. Aquiles foi um dos primeiros pilares das nossas tradicionais bandas. Se espantou com a construção na metade do terreno da Nova Aurora e perguntou pelos leões que ornamentavam a casa ao lado onde morava Luiz Fernando do Banerj e sua família.

E ""Sila tia de Jodyr e Iza? De uma "Lyra" que ainda pode ser ouvido seus acordes no paraíso onde deve habitar esta meiga senhora que viveu no Século de Puro de nossa Macaé de memória fraca e filhos fortes.

Na "Lyra," teceu falação sobre seu Sucena pai de uma sua afilhada Gerson. Recordou as tardes noites onde o desfile desta entidade se dava nas ruas periféricas. Naquele tempo as pessoas que faziam aniversário recebiam a presença da "Lyra dos Conspiradores" que desfilava nas ruas do aniversariante e se concentrava nos quintais até que a madrugada vinha. Era comum ver isso no aniversário de "Pequenino", Sucena, Lacerda e "Sto. Gavião".

Nestas noites, sob o fardamento de lindos ternos e camisas engomadas se podiam ver os vultos de homens famosos da comunidade macaense que passavam, cumprimentavam e eram saudados por quem estava sentado nas "Cadeiras das Calçadas".

Foi assim, de memória em memória, que a Rua da Boa Vista foi sendo desfilada em sua história de gente que fazia história. "Papa-lambida", seu José da Cunha Barreto, Luiz Pinheiro e sua filharada foram abrindo espaços nos pensamentos e suas presenças tiveram vidas e fatos havidos.

E sobre Ubirajara Barreto e "Talita"ela ficou um longo tempo recordando a infância na casa de seu "Lulu" Pinto com Alice e suas irmães, Gerson e Ruy.

Por detrás da sede da "Sociedade Musical Nova Aurora" tinha uma Rua que hoje não tem mais. Um correr de casas antigas. Havia uma que morava dona Nazareth que era filha de dona 'Cota' uma linda senhora que freqüentava a Igreja Católica da Praça no tempo em que o Monsenhor Jason era Padre. Sempre com seu tradicional chalé negro, estas senhoras eram a presença viva da beleza macaense no meado do século.

Uma menina era vista sempre em companhia de Dona Nazareth. Pude rever anos depois esta jovem no PT que fundei em final de década de 70. Marly tem duas lindas filhas que sempre a acompanham em seu trabalho na educação da cidade. Marly recorda de Luiz Carneiro que, vindo de Quissamã, deu os primeiros passos na história do esporte macaense.

A "Nova Aurora", embora descaracterizada em sua fachada por mãos destruidoras e de intenções comerciais, fica ao lado de uma outra casa que ostentava dois lindos leões na entrada que eram a alegria de toda a comunidade quando de suas idas para os passeios na Rua Principal. Era vizinho da casa onde morava Luiz Fernando e sua família.

Dizem que fizeram as casas na frente e conservam os leões. É uma pena que o "enjaulamento" se tenha consumado nesta preciosa obra de cimento e arte... (Texto da Saga de Nhasinha, fala de Ecila quando de sua última vinda à Macaé)...

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